Segundo o site https://www.folhape.com.br/noticias: Tâmisa, Reno, Jundiaí: rios urbanos revitalizados devolvem vida às cidades e confirmam que investir na recuperação de cursos hídricos tem impacto no bem-estar comum
Não foi à toa que vários rios pelo mundo tiveram certificados de óbito emitidos nas últimas décadas. O crescimento urbano sem expansão da infraestrutura de saneamento no mesmo ritmo e o desmate nas margens que acelera o assoreamento de cursos d’água podem matar um rio. Mas experiências de revitalização começam a mostrar que há políticas e tecnologias capazes de trazer de volta à vida artérias hídricas essenciais à qualidade de vida nas cidades. Recuperar recursos hídricos importa para a biodiversidade, o abastecimento de água e a saúde humana, mas também para a economia. Restaurar águas poluídas não raramente atrai investimentos e oxigena regiões degradadas.Leia também
• Dia da Água: Lodo de estações de tratamento vira gás combustível e matéria-prima
• Dia da Água: Da Mesopotâmia à Ucrânia, abastecimento é causa e arma de guerra
• Dia da Água: Veja como a mudança climática ameaça recursos hídricos, decisivos na História
Um exemplo marcante é o do britânico Tâmisa, que em 1957 chegou a ser declarado biologicamente morto pelo Museu de História Nacional, em Londres, após muitas décadas de poluição acentuada pela Revolução Industrial.
No século XIX, devido aos dejetos despejados nele e em seus afluentes, o rio foi fonte de pestes como a cólera. No particularmente quente verão de 1858, houve o registro de um “grade fedor”, que chegou a levar parte da população a deixar Londres.
Sistemas de saneamento amenizaram o mau cheiro e a insalubridade, mas foram destruídos na Segunda Guerra Mundial. A recuperação do rio que corta a capital britânica teve de esperar até os anos 1960, quando políticas de saneamento começaram a melhorar a qualidade da água. O ponto de virada só veio em 1976, quando todo o esgoto jogado no Tâmisa passou a ser tratado. Sistemas de monitoramento mais eficientes e instrumentos para aumentar a oxigenação foram acionados. Em 2021, as espécies de peixes no rio passavam de cem.
Paris ainda trabalha na recuperação do seu icônico Sena, com planos semelhantes aos que trouxeram o Tâmisa de volta à vida. A capital francesa quer deixar as águas do Sena banháveis pela primeira vez em um século para os Jogos Olímpicos de 2024.
Não é a primeira vez que a limpeza é prometida, mas agora há um projeto concreto de € 1,4 bilhão (R$ 7,96 bilhões), parte da iniciativa da prefeita Anne Hidalgo para deixar a cidade mais verde e ambientalmente sustentável. A expectativa é que até 2025 haja 26 piscinas fluviais na cidade, para a alegria dos parisienses no verão.
Parte da solução para o Sena está na renovação do sistema de saneamento de Paris, mostrando que, nessa área, não há mistério. Em 2022, o volume de esgoto despejado no rio foi 90% menor que há uma década, segundo reportagem recente da revista Time. Ainda assim, só no ano passado, 1,9 milhão de metros cúbicos de esgoto não tratado foram parar no Sena. Está aí o desafio final da prefeitura de Paris. O Tejo, maior rio da Península Ibérica, passou por uma revitalização que custou milhões de euros no início deste século. Foram obras de saneamento e renovação das redes de água e esgoto que atravessaram décadas e chegaram ao fim há cerca de dez anos, com benefícios para cartões postais que ele atravessa, da Espanha à foz perto da capital portuguesa, Lisboa.
A expansão industrial também causou problemas nos canais de Copenhague, como o famoso Nyhavn, mas desde os anos 1990 há um plano de recuperação em curso, com foco na melhoria do sistema de esgoto da capital dinamarquesa. Em menos de uma década, as águas já serviam para banho.
Fora da Europa, o exemplo mais notório vem da Coreia do Sul, com o rio Cheonggyecheon, em Seul. Os japoneses chegaram a tentar aterrá-lo durante a ocupação de 1910 a 1945. Com o cessar-fogo da Guerra da Coreia, a migração para a capital sul-coreana aumentou o despejo de dejetos no rio.
O governo decidiu concretá-lo nos anos 1950 e, em 1971, começou a erguer um superviaduto sobre dele. Símbolo do progresso, a obra por alguns anos cumpriu essa promessa. Perto da virada do milênio, contudo, região já era obsoleta e abandonada. O trânsito pesado, o barulho e a poluição excessiva ajudaram a repelir a população. O rio praticamente secou, e engenheiros descobriram que o acúmulo de monóxido de carbono, metano e outros gases sob o viaduto ajudaram a corroer a estrutura, inviabilizando a segurança de uso da via.
Em vez de restaurar a estrutura que sufocava o rio, a decisão do governo foi descobri-lo e revitalizá-lo, apostando na atração de moradores, turistas e negócios. Foram dois anos de obras, até que o rio fosse novamente exposto. O resultado superou as expectativas. As margens se tonaram um ponto focal do projeto, uma área de lazer entre os arranha-céus.
O Cheonggyecheon agora é mais resiliente às águas da chuva, a região tornou-se um importante ponto turístico e de alto valor imobiliário, com o preço médio das propriedades adjacentes aumentando entre 30% e 50% em um raio de 50 metros nos anos seguintes à obra. As temperaturas registradas na região caíram nos meses de verão, impactando a qualidade de vida em Seul.
Sem solução definitiva para o Tietê
Apesar de tantas experiências internacionais, o Brasil ainda está longe de concretizar planos como o de despoluição do Rio Tietê, principal artéria hídrica de São Paulo, cuja degradação retrata o atraso do país nessa área, apesar de projetos em curso há décadas. Mas o Brasil já tem casos de sucesso, como o processo de três décadas para ressuscitar o Rio Jundiaí, no interior paulista. Em 1984, as prefeituras das cidades por onde ele passa se uniram no Comitê de Estudos e Recuperação do Rio Jundiaí, juntamente com indústrias e o governo de São Paulo. Foram construídas infraestruturas como emissários, estações de tratamento e redes coletoras, todas planejadas para garantir que o esgoto das oito cidades no curso fluvial fosse tratado. Gradualmente, peixes, garças e pássaros voltaram à região.
Desafio transnacional
Recuperar rios transnacionais é um desafio mais complexo, pois demanda consenso entre países. Importante fonte de abastecimento e hidrovia europeia, o Reno foi vítima de um grande desastre ambiental em 1986, quando mais de 1,3 mil toneladas de compostos altamente inflamáveis pegaram fogo na indústria química Sandoz, na Suíça.
As causas nunca foram esclarecidas, mas substâncias tóxicas foram parar no rio que corta também Áustria, França, Liechtenstein, Alemanha e Holanda, até desaguar no mar do Norte. No ano seguinte, foi criado o Programa de Ação do Reno para recuperar o rio, com representantes dos países envolvidos.
O acordo ficou popularmente conhecido como Salmão 2000, já que uma das metas era que essa espécie, altamente sensível à poluição, voltasse às águas até a virada do milênio. Mesmo antes do acidente, os peixes já eram repelidos pelas indústrias químicas da região.
Foram gastos € 13 bilhões (R$ 84,6 bilhões atuais), dos quais € 9 bilhões (R$ 58,6 bilhões) só em tratamento de esgoto. Os salmões voltaram três anos antes do previsto.
Os EUA e o México também têm um acordo sobre o Rio Colorado, que determina um volume de água a que os americanos devem garantir anualmente aos vizinhos do Sul. A maior parte dos países que dividem rios, contudo, não têm pactos do tipo. Não há, por exemplo, cooperação entre os países cortados por Nilo, Amazonas e Mekong, três dos maiores cursos hídricos do globo.
Nenhum comentário
Postar um comentário