Para especialistas, Trump defendeu os EUA ao mandar executar Saleimani (foto)
Folha de Pernambuco
“A ação militar que resultou na morte do general iraquiano Qasem Soleimani foi justa, pontual, precisa e inteligente. Foi defesa, não ataque”.
É a opinião de Leonardo Coutinho, jornalista, escritor e especialista em ameaças transnacionais na América Latina, terrorismo, corrupção, tráfico de drogas e crimes transnacionais. Mineiro de Belo Horizonte, Coutinho vive em Washington, nos Estados Unidos, onde realiza pesquisas para o Center for a Secure Free Society (Centro Para Uma Sociedade Livre e Segura).
Na avalição do pesquisador, a ação ordenada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, teve como característica elogiável “ter sido extremamente bem pensada sob o aspecto humanitário, pois foi diretamente à causa, ou seja, sobre um chefe militar e seus apoiadores, sem resvalar em civis ou não envolvidos” nos combates. “Não bombardearam cidades nem mataram civis, como ocorre em iniciativas que costumam ser condenadas. Outro ponto de acerto.
Coutinho lembra a sequência de fatos que desembocaram na ação no aeroporto de Bagdá, na quinta-feira (2), que culminou com a morte de Soleinami, comandante da Guarda Revolucionária do Irã, de um aliado líder da milícia xiita iraquiana e de pelo menos mais sete pessoas.
“As milícias xiitas mataram um funcionário americano. Alguém acha que foi apenas um porque quiseram? Estou certo de que não conseguiram pegar outros. Depois, 25 pessoas ligadas aos xiitas morreram em ataques dos EUA a bases no Iraque e na Síria. Há quem considere essa ação desproporcional se comparada à que resultou na morte do americano. Claro que não é o caso de se comemorar mortes, mas foram dois ataques militares. Nessas situações de ataque a milícias e grupos paramilitares, uma vez definidos os alvos, não se faz conta sobre quem será ou não poupado naquele contexto”, argumenta o pesquisador.
Na retaliação, milicianos xiitas invadiram a Zona Verde, área de embaixadas em Bagdá, capital do Iraque. Apedrejaram e tomaram parte do setor externo da representação americana. Por pouco não a invadiram totalmente.
“A verdade, que muitos resistem em admitir, é que os americanos foram agredidos e invadidos nesse episódio da embaixada. Uma invasão encomendada e administrada por Soleinami. Os serviços de inteligência atestam isso e também o fato, alegado pelo governo americano, de que havia outras ações de ataque e agressão formuladas e prontas para serem executadas brevemente”, afirma.
Coutinho vê justiça na ação americana em função do que chama de “largo histórico de anos de planejamento e ação de Soleimani em ataques militares e terroristas contra os Estados Unidos”. Em um artigo sobre a ação americana em Bagdá, com o título Calma, o mundo não vai acabar, Coutinho dá detalhes sobre a “gloriosa” carreira militar de Soleimani, “que era pupilo do aiatolá Ali Khamenei e cotado para ser presidente do Irã”. Segundo ele, a trajetória tem um ingrediente adicional: “o terrorismo”.
Os fatos citados pelo pesquisador não remetem exatamente ao que se pode qualificar de glória. “Soleimani e seus comandados das Forças Quds têm assinaturas em uma série de atentados ao longo da história. Sua estreia foi em 1983, quando caminhões carregados de explosivos foram detonados em frente a instalações militares dos Estados Unidos e da França, países que faziam parte da Força Multinacional que atuou no país durante a guerra civil”.
O pesquisador acrescenta: “O atentado que matou 241 americanos e 58 franceses foi reivindicado pela organização palestina Jihad Islâmica, que embora tenha sido a executora, atuou sob financiamento e coordenação dos Quds e do Irã”.
Em outro ponto, Coutinho lembra de ações do general iraniano em parceria com a organização libanesa Hezbollah, o ‘Partido de Deus’. “Em 1992 e 1994, os Quds valeram-se do Hezbollah para aplicar sua lógica de vingança e terror. Os dois alvos foram nossa vizinha Argentina, mostrando para o mundo que os conflitos do Oriente Médio não se restringiriam mais aos limites fronteiriços geográficos”.
Coutinho contabiliza as vítimas. “O primeiro atentado foi contra a Embaixada de Israel, em Buenos Aires (que matou 29 pessoas e feriu outras 242). O segundo, contra a sede da Associação Mutual Israelita (Amia), que deixou um saldo de 85 mortes e cerca de 300 feridos”.
Outro especialista contrário às qualificações de despropósito para a ação americana no aeroporto de Bagdá é o professor, jornalista e escritor Sérgio Praça, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo com pós-doutorado em Administração Pública e Governo pela FGV-SP e pesquisador da Escola de Ciências Sociais do CPDOC da FGV-RJ.
“Foi uma ação ousada e para muitos arriscada, mas absolutamente dentro do jogo. Nas mesmas circunstâncias, poderia ter sido tomada por qualquer outro presidente americano, republicano ou democrata. Mas como Trump tem o ímpeto como característica pessoal, trazida da vida civil, costumam incluir todas as suas decisões neste contexto, o que é um erro amplificado neste caso da ação em Bagdá”, analisa Praça.
O professor faz outras ponderações. “Foi tudo dentro da lógica americana. Soleimani, como o próprio Trump disse, vinha sendo observado há tempos e poderia ter sido eliminado bem antes. Esperaram até o momento em que foi possível. Uma coisa é matar um inocente, um civil ou o filho de um presidente, por exemplo. Outra é eliminar um inimigo declarado, assumido e reconhecido por suas ações, caso do general iraquiano”.
E quanto às possíveis retaliações de iranianos, iraquianos, árabes e persas? “Apesar da reconhecida força militar do Irã, a discrepância em relação ao poderio militar americano é tão imensa que há como crer na possibilidade de um conflito em escala mundial, como muitos têm alardeado”, comenta o pesquisador Coutinho. “Mas, com o tempo, ações terroristas contra civis, a exemplo das levadas a cabo na Argentina, infelizmente poderão ocorrer. É um risco concreto. Aliás, essas na Argentina foram prometidas anos antes, por ocasião da morte de um líder do Hezbollah em um ataque israelense. Mas o terrorismo é isso mesmo: covardia contra indefesos civis que deve ser condenada e combatida. A propósito: as maiores vítimas do terrorismo islâmico, em quantidade, na história, são os próprios islâmicos”.
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