Alline falou sobre trajetória de dificuldades em universidade dos EUA
Arquivo pessoal
“Para tudo o que eu queira alcançar, tenho que fazer uma revolução.” Assim a brasileira Alline Parreira, de 27 anos, define sua trajetória.
Negra e de origem pobre, Alline trabalha como faxineira nos Estados Unidos, onde vive há dois anos. Seu último ato revolucionário foi palestrar para os alunos da Universidade da Cidade de Nova York (Cuny, na sigla em inglês) sobre racismo e superação.
"Falei sobre minha história de vida — que envolve a adoção —, sobre políticas de inclusão, sobre meu ativismo e denunciei alguns estudantes do Brasil que fraudam os sistemas de cotas para entrar em universidades. A repercussão foi muito positiva, e além dos alunos que assistiram ao vivo, 20 mil pessoas acompanharam pela internet", revela a brasileira, em entrevista exclusiva ao R7. Alline diz que conseguiu controlar o nervoso e isso foi motivo de surpresa para muitos dos presentes.
"As pessoas gostaram da minha forma de comunicar, por ter tanta história de superação e tanto equilíbrio emocional. Eu fico feliz por colaborar de alguma forma com a vida de muitas pessoas. Ou muitas Allines, como gosto de dizer."
Trabalho e origem simples
A brasileira nasceu na cidade de Manga, que tem pouco menos de 20 mil habitantes ao norte de Minas Gerais. Logo que veio ao mundo, foi doada pela mãe biológica — pobre e sem condições de criar uma criança — a uma mulher estéril que sempre quis ter filhos.
"Só que essa pessoa desejava ser mãe, mas não queria ter trabalho. Quando eu tinha três meses, ela decidiu interromper essa experiência de maternidade e me entregar para a mãe dela, uma senhora de 65 anos que me criou apesar de todas as adversidades", relata.
Já adulta, Alline teve diversas ocupações. Embora tenha concluído o Ensino Médio, não teve como seguir para um curso superior porque precisava trabalhar.
"Passei na UnB (Universidade de Brasília) e na Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), em vestibulares para gestão de agronegócios e geografia, mas tive que optar pela minha sobrevivência. Fiz de tudo um pouco: vendi latinhas e outras coisas e a faxina esteve em minha vida desde os 16 anos, quando eu comecei a limpar uma lan house para ganhar a hora de acesso à internet."
A consciência sobre a própria condição de mulher, negra e pobre veio em 2014, quando a mineira foi beneficiada por um programa de intercâmbio do governo federal e pôde viajar a Moçambique e Etiópia — onde auxiliou na alfabetização de crianças carentes.
Palestra foi acompanhada por 20 mil pessoas na internet
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De volta ao Brasil, a readaptação foi difícil.
"Eu tinha 25 anos, limpava para ganhar o equivalente a um salário mínimo, sem direitos, por mais de 40 horas semanais. Não havia oportunidades e eu não enxergava possibilidade de melhora. Foi quando decidi faxinar nos Estados Unidos", relembra.
Alline diz que na terra do Tio Sam também enfrenta obstáculos, mas de uma forma diferente do que encarava no Brasil.
"É claro que os Estados Unidos também são um país racista. Foi difícil encontrar um lugar para morar por ser negra, o idioma ainda é um desafio para mim, mas eu vou driblando as dificuldades. Aqui eu ganho o equivalente a 2 mil reais em uma semana de trabalho, pego uma condução às 7h da manhã, estou de volta às 5h da tarde e ainda posso ir a uma biblioteca, ler um livro, ver a praia e ter uma vida social."
Foi no tempo livre, aliás, que a mineira teve tempo de se aproximar do coletivo Brado — que promove discussões sobre a democracia brasileira em Nova York. "Foi por meio deles que aconteceu o convite de palestrar na Cuny. Um dos organizadores gostou da minha história de vida e achou que eu fosse a melhor pessoa para falar sobre a nossa sociedade do Brasil na universidade", afirma.
Planos para o futuro
Para o futuro, Alline tem um projeto ousado: quer publicar uma coleção de livros que retratem pessoas como ela — sem curso superior, mas com histórias recheadas de aprendizado e luta.
"Pretendo que sejam biografias de gente com lugar esquecido pela sociedade. Mães de jovens presos, jovens encarcerados, negros que sofreram violência policial... Não acho que haja ninguém melhor para retratar a forma como nossa sociedade é estruturada. Os acadêmicos são importantes, mas quem sofre na pele pode dividir conhecimento também."
Ela ainda não sabe se continua nos Estados Unidos a longo prazo ou alça outros voos. "Não tenho esse plano de continuar aqui a vida toda. Por enquanto, estou me organizando para aprender inglês e levar à frente meu projeto. Mas o planeta tem mais de 200 países e eu sei que, com experiência, consigo me virar em qualquer lugar do mundo."
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