Depois de quase um mês oferecendo atendimentos gratuitos no Recife, o Centro de Valorização da Vida (CVV), que se propõe a prevenir o suicídio, observou um aumento expressivo da procura pelo serviço no Recife. Inicialmente atendendo a 2,6 mil ligações mensais, a organização passou a ter 4,5 mil telefonemas recebidos após o serviço de acolhimento via telefone começar a ser oferecido sem custo.
Para a coordenadora do CVV Recife, Norma Oliveira, o aumento de 73% traz esperança aos voluntários, mas, ao mesmo tempo, representa um alerta. “Buscamos fazer o nosso melhor, mas as pessoas que procuram pelo serviço ficam numa fila de espera porque a demanda é grande”, explica, relatando, ainda, que o número de voluntários não acompanhou o crescimento da procura.
Com 53 pessoas atuando em plantões de cinco horas, o CVV Recife busca recrutar mais pessoas dispostas a compartilhar seu tempo, dedicando-o a ouvir quem deseja ser ouvido. “Vemos muitas pessoas doando alimentos, roupas, coisas materiais no geral, mas doar tempo é uma coisa mais rara. Requer uma disponibilidade interna e emocional”, observa a voluntária.
Além da vontade de querer escutar o próximo, ter mais de 18 anos e disponibilidade de horários são os pré-requisitos para se tornar um voluntário. “O treinamento dura entre 90 e 120 dias e, durante a capacitação, explicamos que o respeito e o calor humano são importantes, além do sigilo da pessoa que procurou o serviço”, ressalta Norma.
É possível se inscrever através do site da instituição para participar como voluntário. No Recife, próxima seleção de voluntários está agendada para o mês de junho. O serviço está disponível 24 horas por dia através do número 188.
Ajudar para amenizar a dor
No mais recente curso de formação de voluntários, finalizado em abril, o jornalista Roberto Maia, de 55 anos, foi um dos concluintes. Depois de a filha de 14 anos tirar a própria vida há cerca de uma década, essa foi a maneira encontrada pelo pai de ajudar outras pessoas a não passarem pela mesma situação.
Depois de longos oito anos evitando pensamentos e se esquivando de qualquer coisa que remetesse à filha, Roberto foi encorajado pelo filho mais velho a fazer um curso de Programação Neurolinguística. “Fiz um treinamento associado à otimização da mente. Foi como se eu desse uma formatada no cérebro e tirasse alguns ‘bugs’ para me aceitar e aceitar o meu luto”, afirma.Roberto Maia decidiu atuar em organização que busca prevenir o suicídio após sua filha de 14 anos tirar a própria vida (Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press)
Associada ao curso, a busca por informações a respeito do assunto motivou Roberto a reencontrar o Centro de Valorização da Vida (CVV) no Recife. “Há uns 20 anos, quando eu era universitário, usei o serviço. Não lembro o que me motivou a ligar, mas na época, eu quis falar com alguém de lá. Liguei, a pessoa conversou comigo, me ouviu e eu fiquei bem, e inclusive procurei me engajar através do voluntariado”, conta.
O desenrolar da vida afastou Maia do CVV, mas a reaproximação aconteceu depois da perda da filha. “Decidi ser voluntário para ouvir outras pessoas que estariam dispostas a cometer suicídio”, frisa.
Com o conhecimento, Maia derrubou, dentro de sua própria crença, alguns mitos construídos pelo senso comum. Agora, seu desejo é de espalhar informação para evitar que outras pessoas repitam a ação de sua filha e que outras famílias não sintam a mesma dor. “A gente precisa difundir mais o assunto e os serviços que são prestados de apoios psicológico e psiquiátrico”, defende.
Atuando como voluntário do CVV e munido de informações sobre o que é o suicídio, Maia acredita ter aprendido com tudo o que aconteceu.
“Descobri que sou mais forte do que eu imaginava ser. A gente aprende a ser feliz, a demonstrar felicidade o tempo todo, mas é como se não existisse espaço para a depressão, o luto. É preciso que as pessoas saibam que isso também é necessário, por pior que seja. Não aprendi a lidar com naturalidade com isso, mas com maturidade”, conta, triste pela perda da filha, mas ciente de que a vida precisa continuar.
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